sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Coragem

Escrever é um hi-ato de covardia.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poema de Bula

Se o seu amor me tortura à chaga
E violento me conduz ao coma:
Cortizona.

Se o seu amor perdido não se orienta
Deficiente um tanto de qualquer nervo ótico:
Antibiótico.

Se o seu amor num altar me adora
E dele faz um glamouroso oratório:
Anti-inflamatório.

Se o seu amor não me prepara o espírito
E leva meu corpo indefeso para o abate:
Mertiolate.

Se seu amor não recua a légua
E se perde comigo no meio do mato:
Esparadrapo.

Se o seu amor teimoso não aceita
Qualquer outro ritmo diferente do meu coração:
águaesabão.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Assalto ao trem pagador

Não te quero
Nem menos, nem mais
Cônjuge ou esposa,
Noiva ou namorada.
Não te quero menos
Jacutinga ou Bacante.
Não pura e mais amante.

Vamos por fim a essa tola tradição.

Te quero mais muito
Sempre, e sem luto,
De hoje em diante,
E a partir de então.

Te quero vibrante,
Sem medo e sem farsa,
Assaltando o mundo,
Ó, minha comparsa!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sambaqui

Você cavou, nem fez esforço,
Achou um sambaqui em mim.
E misturou o pó cinza do meu corpo
Com seu pó roxo de pirlimpimpim.

Escovou meus medos,
Encontrou meus segredos,
Tocou memória
E me amou sem dó.
Desvelou as pistas do meu antemeio
E cultuou o que tenho de melhor.

(E de pior)

E juntou os cacos.
E me restaurou ferido.
Fez do seu ventre um lugarmuseu.

E me deu vida,
Divulgou meus rastros
Sendo a casa do meu novo eu.

(Que é seu)

sábado, 22 de maio de 2010

Poema de isopor

Sua prega, seu tchau me acega,
Você que ensaia,
Mas eu é que vou.

E eu, que moro na hora,
Te espero de agora
No meu isopor.

Canastra, eu pago à mesa,
Te devo cerveja,
Na mão um curinga.

Te amarro, te faço trabalho
Te espero, marcado,
Da sua curimba.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A gota d'água

Por Chico Ollivetti

Na semana passada, um amigo meu que trabalha na FAN – Joubert, aqui da redação do jornal, dirá que é a Fundação dos Animais de Niterói, mas eu corrijo-lo-ei: é a nossa gloriosa Fundação de Arte de Niterói, a única. Enfim... Esse meu nobre amigo que trabalha em um dos diversos setores da casa (acho que ele é assessor de acesso ao palco – um prato cheio para uma prova concursal de língua portuguesa) me ligou, tenso, pedindo uma orientação. Não vou dar o nome do santo, mas vou contar o milagre:

- Fala, Ollivetti.
- Quem é?
- Sou eu, pô.
- Fala .
- Pára de brincadeira, o assunto é sério.
- O que houve?
- Recebemos uma ligação do Chico Buarque aqui na FAN.
- Que isso, deve ser trote...
- Parece que não.
- Por que você acha que não é trote?
- Porque ele tava cobrando um cachê de um show que ele fez na antiga Cantareira em 2001.
- Ué, mas o Chico Buarque nunca fez show nenhum na Cantareira.
- Fez sim, no antigo evento Palco Livre.
- Você viu?
- Não, mas conheço uma pessoa que tem um amigo que viu.
- Isso é lenda.
- Não é lenda não.
- Mas o cara não toca em lugar nenhum mais, só escreve.
- Pára de brincadeira, o assunto é sério.
- É sério por que?
- O cara tá cobrando juros.
- Deve tá passando fome...
- Pô, Ollivetti, eu falando sério e você aí fazendo graça?
- Você quer que eu faça o quê?
- Você tem noção da magnitude do problema?
- Eu não.
- Você já imaginou quanto deve ser o cachê do Chico Buarque?
- Não consigo imaginar nem o cachê da Maria Gadú.
- Isso vai quebrar a gente. Com juros então...
- Mas você tá com preocupado com o quê, afinal?
- Rapaz, você sabe quanto é o orçamento da FAN?
- Acho mais fácil descobrir o cachê da Maria Gadú.
- Você é que é feliz com seu estável de contínuo em Caxias...
- Calma, rapaz...
- Como é que eu vou pagar a escola do Joílton?
- Calma, não adianta se preocupar por antecipação.
- O orçamento da FAN não deve chegar a um quinto do cachê do Chico.
- Com juros então...
- Pô, Ollivetti!

Poema da matemática simples

Pra medir essa coisa de amor
Vou juntar tudo que sei e o que não sei:
Nem você resolveu se enxotar por hora
E nem eu te enxotei.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Poema da oração vencida

Todo dia eu peço a Deus
Que me venha com um romance:
Deusin, me mande uma mulher
Que pelo menos me amanse?

E nesse amanso relaxado
De herança só o cheiro.
Deusin, me mande uma mulher
Que me dezembreajaneiro?

domingo, 25 de abril de 2010

Da série: Conversando na Janela

Episódio: Chantagem é inata?

- Pai, pega minha bola que caiu ali em cima da garagem da casa da Tânia?
- Ih, João... a bola tá muito lá embaixo, não vai ter como pegar.
- Mas eu vou ficar sem a minha bola do Botafogo?
- Ué, você quer que eu faça o quê? Não tem como pegar...
- Aaaah, e eu vou ficar sem minha bola? Você vai querer que eu vire Flamengo?

Da série: Conversando na Janela

Episódio: Vovô viu a uva.

Assistindo a final do Paulistão entre Santo André e Santos:

- Pai, quem tá jogando com a mesma camisa do Botafogo?
- O Santos.
- Então o Botafogo vai ter que mudar de camisa, né?
- Não, João, o Santos é de São Paulo o Botafogo é do Rio de Janeiro. São camisas parecidas, não são iguais.
- E quem é o outro time?
- É o Santo André.
- Mas quem é o outro time?
- Já falei. É o Santo André.
- Não tô perguntando do jogador...
- E eu não estou falando do jogador. O time é que se chama Santo André.
- Mas porque que tá "sta" na televisão?
- Porque é o nome do time.
- ?
- Santos é o "san", Santo André é o "sta".
- Mas quando tem jogo do botafogo aparece bê, ó, tê. Quando tem jogo do Flamengo aparece éfi, éli, a.
- O "s" é do "San" e o "t" é do "to" e o "a" é do "André": San-To André.
- Mas não pode, tinha que ser "san".
- Mas aí vai ficar igual ao Santos. Como você vai saber quem tá ganhando o jogo?
- Ah, é.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Da série: Conversando na Janela

Episódio: O melhor amigo do homem.

- Alô.
- Oi, pai.
- Oi, meu filho.
- Anota um número aí.
- Calma aí... Pode falar.
- Dois, seeete, um, dois, três, oito, três, um. Essa moça tá vendendo um cachorrinho.
- E?
- É pra você ligar pra ela e comprar um cachorrinho.
- Tá bom.
- Então tá. Tchau.

Dois minutos depois.

- Oi, pai.
- Oi, meu filho.
- Já comprou o cachorrinho?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Da série: Jornala, jornalista!

Após as chuvas que assolaram a região metropolitana do Rio de Janeiro nesta última semana, uma repórter foi cobrir o deslizamento em um dos tantos morros que foram açoitados na tragédia. E, empunhando o microfone como quem empunha uma espada na hora da luta, se aproximou de um senhor de aproximadamente 60 anos para entrevistá-lo. Começou a interlocução com a seguinte pergunta:

- E aí, senhor? Muita chuva?

Da série: Conversando na Janela

Episódio: Comunismo.

- João, me dá uma bolinha de queijo aí.
- Aaaaah, só tem duas.
- Então, me dá uma.
- Mas só tem duas.
- Então, me dá uma e fica com uma.
- Pode ser uma partida?
- Pô, João, te comprei um monte de joguinho.
- Tá booooooom...

Poema das medidas

Não quero que você sinta nada por ninguém,

Se não for sentir por mim,
Quero seu cerebelo cego,
Seu aurículo direito manco,
Seu décimo brônquio mudo,
Seu frio na barriga surdo.

Quero um seco na sombra do seu pranto.

Por mim, tédio ou ansiedade,
Qualquer medida de saudade.
Por mim, nojo ou tesão,
Qualquer medida de paixão.
Por mim, admiração ou rancor,
Qualquer medida de amor.

Por mim, e por mais ninguém,
Qualquer medida de zero a cem.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Dia do bibliotecário

Eu naveguei no breu da madrugada,
Aguardando o braço forte do sol.
Porque depois de 180 dias ao Norte,
Me pregou uma peça a porra do farol.