domingo, 31 de maio de 2009

Cachorro Raivoso

Sou e estou apaixonada por um pitibul que arrancou um pedaço da minha pernadetrês na última procissão de Santa Terezinha dos Conformes. Ele é esclerosado de idéias, fanático por casas da moeda, viciado em concursos públicos de tribunais da inquisição. Pela manhã, acorda cedo para correr atrás dos gatos boêmios, vândalos invasores que não o deixam dormir. Pela tarde, hiberna confortável em sua casinha virtual à procura de albuminas do saber cachorral, a cultura dos cães de guarda da moral. Pela noite, vai às reuniões clandestinas dos cachorros de usquê, um grupo de caninos que mistura a zebuzisse crônica da maçonaria com a fanfarrice das barracas de rótidógui de esquina. Sou e estou apaixonada pela sua forma de latir finês, pela sua vontade de ser cachorro raivoso, pela seu esbelto corpo conservado por hidradantes da Avon de Madureira e pelos espínins incontroláveis da Av. Brasil. Por ele todo, em resumo, sou e estou apaixonada e enfeitiçada. Mas, disse-me o Doutor Saccharomyces Cerevices (acreoumilho, 2007): é fundo sem poço, minha nobre, ele está à procura de cachorras de traço senil. Respirei fundo para não ter que mandar o doutor à putaquelosparile, mas, reta, manti-me na elegância do meu sapato alto de cinderela. Sou enviesada, fio desencapado, linda rosa juvenil. Cachorra que vai descendo até o chão. Não tenho paciência para ficar na varanda de uma casa na Região dos Lagunas e Dourados observando meus donos bêbados disputando uma partida de estrípe-buraco. Quero botar meu bloco na rua, uivar minhas angústias nas horas perdidas da madrugada, dançar com os mendigos mais fedidos e felizes do mundo. Mais fedidos que felizes. Preciso transformar meu cérebro cachorral num queijo suíço e eliminar todos os espíritos de pastores, dóbermans, puldous e chiuauas do meu corpo desbaratinado. Preciso tomar porres homéricos de água com xixi e encher minhas entranhas de lavagem de porco para não ter que pensar que a mordida que você me deu pode grangrenar meu coração. Preciso dormir na rua, levar paulada, banho de chuva, correr atrás dos carros como um louco corre atrás da sanidade. Preciso ficar senil para ter em você, amor-meu-pitibul-traíra, minha constância, minha relevância, minha vontade de ser cachorra e minha única possibilidade de ser vacinada contra a raiva.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Poema do MaldoSéculo

Me encasqueto só de pensar
Que contigo ainda vou esbarrar
Sóbrio no meu estado idílico.

E mais uma dose eu vou tratar de tomar
Pra quando você inventar de gastar
Com meu surto de paixão esquisito.

Mas dessa vez não vou dar o braço a torcer
Arranco a língua pra não ter que dizer
Que você é a maior das feminices do bonito.

E, portanto, é ver para crer,
O caô que eu vou proceder:

Relaxa, Bonita, não fui eu, foi meu eu lírico.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Testa-Elástico

Estive pensando em como construi a idéia de tempo na minha mente de araque. Antes de ontem, depois de amanhã, semana passada, ano que vem. Essa noção do movimento do pensamento no espaço (que se reflete e se consome no mexemexe diário do corpo) tomou forma em mim na construção do pensamento do João. Pai, você vai no seu trabalho que nós fomos ontem? – perguntou ele para mim hoje. Mas o interessante é que o ontem dele é a mesma coisa que a sexta passada para mim. Assim como o amanhã que ele pensa tem a ver com qualquer tempo que não seja o seu agora, aquilo que se vive no instante em que se pensa sobre o que se pensa. E isso é de pirar o cabeção, não é? Para o João só há três medidas de tempo: o ontem, que é tudo o que não é o hoje; o agora, que é o hoje; e o amanhã, que, em regra, é qualquer momento que virá depois do hoje (e que, na verdade, para ele, é o agora). Ontem, Agora e Amanhã. Simples assim. E convenhamos: não é mesmo ontem tudo aquilo que já passou batido? E não será amanhã, menos ou mais intenso, mais ou menos intenso, aquilo que eu espero sabe-se lá quando? São medidas de tempo e, não sei se felizmente ou infelizmente, aprendi a mensurar o coitado, dividi-lo e classificá-lo de acordo com a capacidade de armazenamento seguro da minha memória e de acordo também com a frequência da minha ansiedade. Mas o mais é o agora. O agora é demais. O agora do João (que é o meu humilde e modesto hoje) é recheado de energia pulsante, força centrífuga. Porque é como se fosse um elástico novo em contato com os corpos em conflito. Um elástico novo que está no auge do tesão. Muita pressão. Penso bem: o meu hoje (que é o agora do João) só não é mais o meu agora porque o meu elástico afrouxou com a ação do tempo no espaço que sobre mim atua. No meu espaçotempo circunscrito. E não é assim que funciona? O elástico afrouxa com o tempo. Que nem as vontades, as curiosidades, os desejos que vão perdendo a força quando são incessantemente testados na máquina de testar elástico da vida. Aí se prolongam as medidas de tempo. Os agoras viram horas. As horas viram dias. Os dias, semanas. As semanas, meses. Os meses, anos. E nessa brincadeira de afrouxar os agoras, vou afrouxando a minha vontade de viver que, diga-se de passagem, ainda é muita. Muita mesmo.

domingo, 24 de maio de 2009

Micropoema de domingo

Domingo é um dia atravessado
Que a manhã a noite inunda.
Macarrão é solução no prato
Para o meu dia cara de bunda.
Fico dez vezes mais Tim Maia
Esperando a cara da segunda.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Poema das Praxidades

Quando me indagam praxidades,
Minha resposta fica logo larga
E eu me contorço nas supostas bostas
Respostas da caridade.

Mas você se dá bem com ela?
Perguntam os engessados.
Mais que tu e a tua sonsa noiva,
Cambada de prego castrado.

Minha regra é não ter regra,

Ficar com o sinistro dela.
Namorar com teu sinismo sonso.
Casar com sua patetada.


Ver ela virar mulher na lua cheia da madrugada.

Deitar num colchão furado,
Passagem pra terra finda.
Trepar na pedra selvagem,
Calombo da praia linda.

Guardar seu carinho todo

No tapa que me deu na cara.
Ferver sua pele toda,

Espelho de beleza rara.

E quando, em mais um lance vesgo,
Perguntar como era antes,
Direi: somos confidentes,
Comparsas e, quem sabe, amantes.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

terça-feira, 19 de maio de 2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Poema do Bicho Solto

Bicho solto dentro de mim.
Louco, revolto.
Bicho enfim.

Quando eu te capturar arredio,
Fugitivo nas vastas terras órfãs,
Vou te enjaular só e sozinho
Na última pasta da última gaveta
Do último armário da última sala
Do último prédio da última rua
Do arquivo morto da minha memória.

E lá vou te deixar quieto,
Sinuoso com olhar reto,
Pão e água e colchão de mola
Para que em meu corpo você não faça escola,
Nem se crie, nem se copie,
Nem se cresça, nem desapareça,
Nem se multiplique e me subtraia.

Vai ficar lá, todo inteiro,
Arrumando e desarrumando a mala,
Calando e descalando a fala,
Até que alguém lha pague a fiança,
Fiado e com desconfiança,
Te libertando para assombrar
Outros mundos com teu jeito assim.

Bicho solto dentro de mim.
Louco, revolto.

Bicho enfim.

domingo, 17 de maio de 2009

Cãibra

O tal do biguibangue quando estourou ricocheteou vontade de descobrir para todo o lado. E nessa vontade ricocheteou a menina do Hotel Paris com força, pé na porta, estou entrando. Pisava eu em lama, pisava eu em nuvem e afundava na minha cegueira morta. A idéia não era essa, mas a boca não cala, ensaboada, solta todas as meias verdades possíveis quando não se tem muito o que dizer. Ficar perto e olhar já bastava, mas alguma coisa me empurrava pra dentro do mundo dela. Tradução sem eficiência, as línguas se enrolaram na impossibilidade de comunicação. A línga dormiu na boca e o corpo cansou. O silêncio me anestesiou e me cortejou até a hora em que a voz subiu. Acorda, doidão! Acorda! Você está me perseguindo! Quando brincava de polícia e ladrão eu era o ladrão. Gostava de fugir. E ontem eu fugi dela porque precisava mudar essa imagem que eu não construí. Mas agora já era. A serigrafia impressa na percepção já devastou qualquer chance de sobrevida. Acorda, doidão! Quando eu acordei vi a cama de cima por baixo e uma tatuagem de barata na madeira. Cãibra na perna. Cãibra na consciência. Se fosse um sonho seria bem melhor. Só teria que prestar contas para mim.

Poema da Bonita

Você é a mais bonita
Que a boniteza do bonito pôde bonitar.

Bonita sempre.
Bonita todo dia.
Bonita comigo.
Bonita com teus amigos.
Bonita com a vida.

Você é sim.
Assim.
A mais bonita.

E na minha agenda bandida
Tem menos dois dias
Que eu me tirei para dar para você.
E o que lá dizia você já sabia:
Que a mais bonita de todas
Num poema não crê.

sábado, 16 de maio de 2009

Poema da Perdição

Já perdi quatro namoradas, um amor.
Uma paixão de faculdade e uma paixão de carnaval.
Perdi convite, ingresso, senha, lugar na fila, vez.
Perdi início de filme, final de festa.
Festa boa porque tava duro.
Festa melhor porque tava chapado.
Já perdi a hora da entrada, a hora da saída.
Perdi o tempo do sinal.
Prova de concurso, prova de coragem,
Prova de amor, prova de vestibular.
Já me perdi num lugar estranho e num lugar familiar.
Já me perdi dentro da barca Rio-Niterói
E depois perdi a final da Copa de 2002.
Perdi final de campeonato.
De campeonato de botão e de judô.
De escola de samba, de escola de criança.
Final de campeonato de videogueime.
Já me perdi dos meus amigos no show.
Do meu romance no bloco.
Perdi dinheiro, casaco, chinelo, guarda-chuva.
Prova de proficiência em língua estrangeira:
Eu já perdi.
Já perdi amigo.
Já perdi a honra e a dignidade.
Já perdi a vergonha.
Perdi a chave da bicicleta.
A chave de casa.
Perdi a data do vencimento da conta.
A consulta da dentista do meu filho.

Já perdi o que se anota
E o que se guarda na memória.

Já perdi a vontade de ter,
A vontade de ser o que se é,
A vontade de ser alguém
E outra vontade qualquer.

E de tanto perder e me perder com tanto,
Perdi comigo o sentido do que é perder.

E, aí, me achei.

Balão Mágico

Suando pelos olhos, subi a ladeira declinando íngreme. Senti dobrar a coluna vertebral, o vergalhão do corpo de pastel que me deram na fornada do dia quatro mil quinhentos e sessenta e sete depois da invenção do marcador de livro. Bati três palmas porque quatro era um outro sinal. A iguana miou. Bati novamente três palmas na mesma cadência morsiâniaca dos perdidos em altomar. A bexiga elástica de pelos correu pela quina do entrador que se abriu sem muita vontade. Camisola andante, traje a rigor da festa da preguiça, plainava uma moça com um imã na mão que me conduziu a abredura dos passantes. Seus olhos saltavam pelos espelhos convergentes que divergiam do seu rosto de moça prudente e bonita. Estavam áridos como boca de ressaca. Estavam quietos. Estavam calmos. Estavam no seu lugar, no lugar de onde se vê o mundo como se vê. Adentrando ao terreno hostil, berço que me acolhia, vi minha brisavó sorrir num sorriso de sudoeste, me perguntando se já havia jantado. Estava em casa, mas não me sentia. Subi o único andar que havia para pedir que me dessem um ingresso para o show de qualquer banda sinistra, bandamania que estivesse em turnê na terra dos cafajestes e pilantras de esquina. Na fila de espera, levei um golpe cruel da organização da festa dos sem ter o que fazer: acabou-se a meia entrada, acabou a entrada pra você, pastel. E não tinha mais desculpa, não tinha mais farinha. Acabou o milho, acabou a comida da galinha. O show passava batido e de longe ouvia o suor dos olhos batendo nas minhas pedras bochechosas, sustento de quem quer se pendurar numa renda de cortina e atravessar o continente a nado. E me pensei. E me calei. E me encostei. E me guardei. E me encolhi. E me sumi. E me morri. Tomei uma pílula de cinema e fui sentar na primeira fila do filme da sessão das dez. Fiquei surdo com o que não via. Fiquei cego com o barulho que não ouvia. Perdi o gosto pelo cheiro e o cheiro que comia. Perdi o tato quando atravessei o sinal vermelho na contramão da avenida. E ali fiquei, dopado, esperando que a ambulância dos culpados me socorresse e me desse um sobressalto de vida. Precisaria de um balão de oxigênio. Ou de um Balão mágico da alegria. Um balão mágico amigo.

Quando você não está

Às vezes você não está. Eu bato à porta, toco a sineta, bato palmas e você não está. Aí eu começo a dançar sozinho uma dança meio esquisita pra ver se chove um pouco de você em mim. O farol de deus fica puto e se enche de algodão-doce de abacaxi. O que é pálido fica sujo e logo começa a gritaria da família mal educada, fazendo baderna no andar de cima. Móvel prum lado, móvel proutro lado. Curtoscircuitos e pane geral. Não chove você, mas chove sinal. Sinal a quilo, sinal a metro. Se espalha pelo pisador, pelo corredor de autoandante, se espalham pelo mundo os sinais de você em mim. E eu encharcado de saudades, inchado de medos e suando em bicas de incertezas. Quando você não está, eu invoco meu anjo exterminador, meu comparsa, meu capataz, meu copiloto, minha simbiose mutual, meu alterego, meu amôrcégo, meu outro eu, meu pardessapato, minha prisão incondicional... meu Garrincha. Pra cuidar de mim, quando você não está. Porque há muito dentro dele do que você muito me dá.

Reveión

Ontem, quando nasci do sonho que esqueci ao nascer, vi que você já tinha ido embora. Deixou um tirador de frio para me fazer companhia e foi pegar um sol de asfalto em Bangladesh de Cima. Fiquei cismado, triste para carésh. Suspirei melado e em pantomimas comuniquei minha ira ao Deus supremo da saudade, guardião primeiro da terceira lua de Vênus, mais conhecida como a lua da paixão irresponsável. Estava melado de suado e minha cabeça vinha se afogando no travesseiro, herança da avó da minha tataravó, que morreu na guilhotina da Revolução Francesa. Pensei em suspirar, mas me faltava a receita do suspiro. Fiquei pensando que suspirar poderia ser um bom passatempo enquanto você não voltava da cozinha com meu café matinal: panqueca de queijo, coca-cola e suspiros. E quanto mais pensava, mais suspirava e fazia crescer o bolo do meu pensamento arredio. Pensava na porra do meu amor, onde ia escondê-lo para ir ao bloco das desprovidas de vergonha e caráter. Guardar no armário seria a opção mais coerente e sadia, se meu chão não estivesse de mudança. Não podia deixá-lo à vista. O meu amor não foi comprado no mercadinho de esquina e alguém poderia roubar. Achei por bem engolí-lo a seco, sem tempero, sem molho e sem achismo. Quando você me desse um beijo do bom dia, lhe empurraria goela abarrrro o meu amor e pediria que só me devolvesse depois dos meus litros de cerveja bandida. Queria ficar vazio por dentro, para não ter que preencher minhas culpas com tablobagens. Mas você fugiu com o leiteiro, com o padeiro, com o açougueiro. Meu amor ficou entalado na barriga. Teria que esperar algumas horas para devolvê-lo ao mundo, com juros e taxa corrigida. Seria portanto uma experiência única: guardar o amor que dou dentro de mim durante uma fração de dia. Ao chegar ao bloco das desprovidas de vergonha e caráter, caí no olho do furacão. A ordem era rebolar, trepar em cima dos autoandantes, cutucar os seios de verdade e de mentira. Mas fiquei mais para dentro de mim. O meu amor estava sendo digerido e a cerveja me empapuçava a quilo. Plantei raiz em frente ao Palácio do Rei. Depois fugi numa alucinação repentina e fui plantar raiz perto da praia que não é praia, fumando um cigarro de chocolate com um amigo que fugiu com a esposa para o apartamento da vizinha. Dizem que lá fizeram uma história que hoje precisa de carinho e atenção. Quando passou a viagem de dentro, corri atrás do caminhão de travestis, mas já era tarde. Ele foi embora sem me levar e fiquei lá no fim da praia que não é praia com o meu amor dentro de mim ainda. Dormi mais uma vez, só para gastar a cisma. Ao acordar, pus minha ciroula para ver o espetáculo de bombinhas. Foi quando me ligou o anjo que me trouxe à Terra pedindo para dormir comigo naquela noite. Não poderia recusar. E foi ao me encontrar com o anjo que encontrei com você de novo. O momento do start do elevador dentro de mim. Meu amor estava em magnetismo, copulando sentidos, meioses e mitoses sem fim. Você me deu boa noite e bom ano novo e foi dormir num suspiro assim: ... . E eu queria que o mundo parasse naquele instante para que ficássemos você, eu, o meu amor e o anjo que na mesma noite cuidou de mim. Mas não deu.

Pensamento do João

Se eu sesse você, eu ia.

Poema do Tempo

Rosenbaun tinha um amor
Que jurava ser o maior da vida
E para ele comprou uma casa
Na maior e mais linda avenida.
O mantinha feliz sossegado,
Cercado de mimos e apreços.
Estava sempre perfumado e belo
À espera no mesmo endereço.
Um dia, porém, repentino,
O amor agiu diferente:
Bateu a porta do quarto
Por causa da escova de dentes.
Passado um mês, quase dois,
O mesmo agiu com ranhura:
Calou-se um dia inteiro
Por causa da abotoadura.
Um ano corrido após,
Arredio, se pôs em batalha:
Greve de tudo na cama
Por causa da molhada toalha.
Dez anos passaram sem egos
E o amor em um caos turbulento:
Fitos surdos e toques cegos
Por causa do pouco provento.
Trinta anos passados à pressa,
O amor chamado nem respondia:
O silêncio morto da casa
No seu próprio eco morria.
Numa quarta, dia de feira,
Rosenbaun saiu cedo - rotina.
O amor ainda fez uma queixa
Quando ele dobrava a esquina.
E lá ficou, rancoroso,
Do Rosenbaun, o maior amor da vida,
Esperando ranzinza ansioso
Na casa da antes bela e maior avenida.
E ficou lá por mais sete anos
Com o olhar carente e atento,
Pensando em como fazer voltar

A cruel flecha do tempo.

Micropoema do Querer

Tudo que pode eu quero.
Tudo que não pode eu quero too.
Tudo que pode eu quero.
Tudo que não pode eu quero two.

Poema do Homem Ordinário

Mim, freguês da lógica ordinária,
Gaboso fico por não usar relógio,
E me engano ingênuo, penso bobo,
Que não sou peça da representação do óbvio.

Me afogo então em discursos desconexos.
Vacilo.

Quando segundo reflexos.
Minuto brevidades em reticências.
Horo encontros possíveis.
Ano vidas em cadências.
Decádo meus projetos de futuro.
E secúlo vidas em demência.

Poema do Prasempre

Num estado puro com certeza
(e sem esforço.)
Num combinado de momentos e lugares certos

(calendário?)
Num calado leito

(nosso dorso.)
Estar num caminho findante

(infinitário.)
Deixar pra sempre a vida pacata

(esse colosso!)
Na certeza de um amor

(binário.)
Dormir pra sempre no seu abraço num motel barato

(um fosso?)
E não acordar nem por um barulho

(do caralho!)

O Homem da Memória de Barata

Cutucava ele as próprias antenas, disparate à suposição do real, quando descobriu por intermédio alheio que sofria de um diferente mal. Mal expressado o verso, talvez o bem, quem o saberia? O fato é que: fato consolidado, todos sabiam, ele nunca saberia. Que tinha memória de barata nata - ata da ciência que ao caso justificou. O que em nós é lembrança certa, nele já acendeu e já apagou. Resultado: nunca teve tal família. Não por abandono - como a alguns cabe a via. Nem por discriminação - essa ação tola de dar dó. Nem por opção de escolha - ninguém escolhe ser só. Nem por acordo, nem por dinheiro, nem por decreto de falsa democracia. Ele não tinha pai, mãe, irmão, tia, simplesmente, porque passavam dez minutos e não mais os reconhecia. E tinha de ser lembrado toda noite, todo dia, toda noite, todo dia, que aquela que acolhe o suspiro do choro também divide o grito de alegria. Ela, sim, sem opção de escolha, porque uma mãe não escolhe um filho, como um filho escolhe uma amiga. Isso talvez doesse nela (na família), mas o homem da memória de barata... ele nunca saberia. Nem do quente, muito menos do frio. Nem da melhor parte da língua - a que distingue o gosto. Ele não gravava braço ou perna. Ele não gravava rosto. Até o espelho mais memória que ele tinha, pois, a imagem que ele via cedo, ao espelho não tardaria afujentar-se dos traços. Não por medo, mas por tédio dessa vaidade vazia que o ser humano carrega no seu inconsciente de mierda. Ele não lembrava da própria imagem, mas a imagem - falsa - dele lembraria. Porém, memória de barata, ele nunca soube, saberá ou saberia. Da falta de um abraço, não do chocho, daquele que dá laço. Da falta do beijo que faz dar vontade de rir. Do tesão incontrolável. Do gozo intenso. Do costume do cheiro. Da necessidade da presença. Da sentença mais bonita do eu amo você. Para ele tão pouco duraria e seria tão ligeiro, que a intensidade do desejo na água se diluiria. E pelo menos uma pessoa no mundo ainda por ele se magoaria. Não por maldade, por sua vez, definia sentimentos como a possibilidade de um cego enxergar: não os tinha. Não sentia beliscão e nem algo que ao corpo desvia. Não sentia nada. E nunca saberia. Do amor - que é o que a gente, nós todos, não entende, não por capricho, nem por carência dita, mas, talvez, por uma flexão errada do espaçotempo que gera a mais aflita agonia. O que a gente não entende por mistério, ele não entende por sacanagem da memória ativa. Para nós, o caminho quase sempre é o de volta. Para ele, é sempre o de ida. Em comum, só a certeza lida e relida de que, sobre o amor, ele nunca, e a gente também nunca.

Micropoema da Certeza

A dúvida é minha matéria,
Corre pela minha artéria,
Pergunta pelo resto de mim.
Enquanto houver dúvida, viverei enfim.
Enquanto houver dúvida, viverei. E fim.